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segunda-feira, 31 de março de 2008

AIDS: SEM MEDO DA MORTE, JOVENS SE DESCUIDAM

Número de casos aumentou entre gays de 13 a 24 anos; para especialistas, coquetel não é 100% eficaz

São Paulo. Quando começou a freqüentar boates gays, aos 18 anos, o estudante de Direito T., de 21 anos, recebeu da mãe, uma psicóloga de classe média, uma caixa de preservativos e o conselho:
- Sexo é bom. Transe com quem quiser, mas só com camisinha.

Nos “dark-rooms” (salas escuras onde os freqüentadores das boates fazem sexo livremente), tanto os preservativos quanto o conselho foram ignorados.
- Ninguém usava. Eu queria me enturmar e não usava também. Aquela caixa durou uns cinco meses. Às vezes eu usava só na primeira transa, depois esquecia – disse T.

Em abril do ano passado, T. passou a engrossar as estatísticas do Ministério da Saúde. Em um exame de rotina, ele descobriu que tinha Aids. Segundo o ministério, o percentual de homossexuais com idade entre 13 e 24 anos contaminados pelo HIV cresceu assustadoramente nos últimos 10 anos, de 26% em 1996 para 41% dos 32 mil novos casos registrados em 2006.
Segundo médicos, ativistas e homossexuais ouvidos pelo GLOBO, o recrudescimento da epidemia entre os jovens homossexuais tem um motivo claro: os jovens gays não viram seus amigos morrendo – como a geração anterior viu – e se tornaram sexualmente ativos quando o uso do coquetel anti-Aids já estava disseminado. Por isso, simplesmente relaxaram no uso do preservativo.

- Quem tem entre 30 e 40 anos viveu os anos 80, viu as pessoas morrendo. Eu nasci no boom da AIDS (1983) e, quando comecei a ter consciência, a epidemia já estava controlada, não era uma coisa tão devastadora, fatal. Eu não vi o Cazuza na capa de “Veja” (em 1989). Os jovens perderam o medo da doença e deixaram de se prevenir. Para eles, a Aids não é nenhum bicho de sete cabeças – diz o jornalista e ativista gay Erik Galdino, de 24 anos.

Ministério faz campanha

Os relatos e o aumento no número de casos contradizem as pesquisas de opinião, segundo as quais o uso de preservativos tem aumentado.

- Com certeza tem uma grande parcela que não usa camisinha e não assume. Além disso, é preciso levar em consideração os métodos das pesquisas. Será que as pessoas usam em todas as relações, inclusive com os namorados? - pergunta Galdino.

O avanço da doença entre jovens gays fez com que o Ministério da Saúde divulgasse na semana passada a primeira campanha voltada exclusivamente para o público homossexual sob o slogan “Faça o que quiser, mas faça com camisinha”.

De acordo com a reportagem, uma rápida pesquisa em sites de encontros gays na internet mostra que a procura por sexo sem camisinha é grande. Em um destes sites, a reportagem entrou em contato, em menos de meia hora, com cinco rapazes que procuravam parceiros para uma relação sem preservativo. Perguntado se não tinha medo de ser contaminado, um deles respondeu:
- Hoje em dia tem o coquetel de graça. Ninguém morre de Aids no Brasil, não.

A verdade é outra. Desde 1998, com o vigor da lei que obriga o estado a fornecer gratuitamente medicamentos para o tratamento, o número está estabilizado em aproximadamente 11 mil por ano. Mas a Aids continua sendo uma das maiores causas de mortes por doenças no Brasil. Em 2006, o índice foi de 17,5 óbitos para cada cem mil habitantes. O Brasil contabiliza 474 mil casos notificados desde 1980, mas a estimativa é que cerca de 600 mil já tenham sido contaminados.

O coquetel, além de trazer efeitos colaterais como o acúmulo de gordura na barriga e maior propensão a doenças vasculares, não é 100% eficaz.

Pesquisa realizada no ano passado pela infectologista Flavia Andrade Ribeiro em 891 prontuários do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais mostra que apenas 39% dos pacientes prosseguem com o primeiro regime de medicamentos após dois anos de tratamento.

Os outros 61% não se adaptaram aos efeitos colaterais ou o coquetel não teve efeito sobre seus organismos.

- Isso é muito grave. O primeiro coquetel (AZT, 3TC e EFZ) é recomendado pelo Ministério da Saúde porque tem mais eficácia por mais tempo. Quando ele não funciona, temos que tentar outros medicamentos que podem não ter a mesma eficácia ou provocar mais efeitos colaterais – disse a infectologista mineira.
Além dos reflexos físicos, a contaminação causa uma série de efeitos devastadores nos doentes.

- Nas festas e baladas, todo mundo diz que a Aids é uma doença controlável, como a diabetes ou qualquer outra. Mentira! Minha vida afetiva acabou. Tenho medo de beijar alguém e passar a doença. Aqueles mesmo amigos que diziam que não tinha perigo transar sem camisinha agora me olham atravessado – diz T.





Fonte: Jornal O Globo, de 30/3/08
Reportagem: Ricardo Galhardo

quarta-feira, 26 de março de 2008

MINISTÉRIO DA SAÚDE LANÇA PLANO DE COMBATE À AIDS ENTRE GAYS HSH E TRAVESTIS


Pela primeira vez, o Ministério da Saúde lançou um plano de ações para conter a incidência da aids e de outras doenças sexualmente transmissíveis entre gays, homens que fazem sexo com homens (HSH) e travestis. Durante o lançamento, nesta terça-feira (25), o ministro José Gomes Temporão reforçou a importância da medida. “É fundamental reconhecer a magnitude da aids entre essa população e priorizar ações efetivas nessa área”.


O plano tem oito objetivos para gays e outros HSH e seis para travestis. No documento, são priorizados temas como a redução das vulnerabilidades associadas à orientação sexual, a garantia do acesso à prevenção da aids, a ampliação de informações sobre essa população e a garantia de ações nas três esferas de governo. Estudos de comportamento sexual do Ministério da Saúde indicam que gays e HSH têm 11 vezes mais chances de serem infectados pelo HIV do que homens heterossexuais.


Na ocasião, também foi lançada ação educativa para esse público específico. O material gráfico enfoca a linguagem e a identidade da população definida como público-alvo. Cartazes e folhetos serão distribuídos em bares, boates, festas e espaços de freqüência gay, além de organizações da sociedade civil que trabalham com o público.


Respeito – Entre os fatores de vulnerabilidade abordados no plano estão o desrespeito aos direitos humanos, à orientação e à identidade sexual; as dinâmicas dos espaços de sociabilidade típicos desse grupo (pontos de pegação, cinemas, saunas, parques e banheiros públicos) e a prevenção entre parceiros.


Keila Simpson, representante da Associação Nacional de Travestis (ANTRA) e uma das colaboradoras do Plano, explicou que as travestis precisam de apoio para reduzir o preconceito e a discriminação que as envolve. “Travesti não é homem nem mulher e isso precisa ser respeitado. É muito bom poder discutir abertamente este tema com um governo que nos ouve”. Em janeiro, pela primeira vez, um grupo de travestis foi recebido pelo ministro da Saúde.


O presidente da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transsexuais (ABGLT), Toni Reis, também elogiou o plano e lembrou a realização da I Conferência Nacional de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transgêneros (GLBT), que será em maio, em Brasília. “O Ministério da Saúde tem se mostrado extremante sensível à nossa causa e isso é um avanço. Estamos saindo do armário. Este é o caminho para atingirmos a cidadania plena”. Toni ainda destacou o incentivo do Ministério às ações de prevenção nas paradas do orgulho GLBT em todo o Brasil.


Epidemiologia – Segundo o Boletim Epidemiológico, houve um crescimento do percentual de casos de aids entre homossexuais e bissexuais de 13 a 24 anos de idade, variando de cerca de 24%, em 1996, para aproximadamente 41%, em 2006. Na faixa etária de 25 a 29 anos, nessa categoria de exposição, a variação foi um pouco menor, mas também indicou crescimento: de 26% (1996) para 37% (2006). Já entre indivíduos de 30 a 39 anos, os índices apontam para uma pequena tendência de queda: de 30%(1996) para 28% (2006).


A Pesquisa de Conhecimentos, Atitudes e Práticas Sexuais (PCAP), de 2004, estima que a população gay e HSH brasileira de 15 a 49 anos em 3,2 % da população ou cerca de 1,5 milhão de pessoas. A partir dessa base populacional, a PCAP calculou a taxa de incidência da aids desse segmento em 226,5 casos por grupo de 100 mil habitantes, cerca de onze vezes maior que a taxa da população geral, que é de 19,5 casos por 100 mil.
Fonte:
Programa Nacional de DST e Aids
Assessoria de Imprensa

sábado, 22 de março de 2008

FILMES PORNÔS GAYS SÃO RECOLHIDOS APÓS ESCÂNDALO DE HIV


Filmes pornográficos voltados ao público homossexual foram retirados de circulação na Europa depois que a investigação de um programa jornalístico revelou os riscos da chamada pornografia "bareback" --que consiste na prática sexual sem o uso de preservativo.

Dois dos títulos traziam cenas filmadas na França na qual oito atores britânicos mantinham relações sexuais entre si sem usar camisinha.

Segundo a reportagem do programa "Newsnight", transmitido pelo canal de televisão BBC 2, quatro dos atores que participaram dos filmes foram diagnosticados como soropositivos logo depois das filmagens.

Um deles disse à BBC que estava angustiado pela venda das imagens que, segundo ele, mostravam o momento em que foi infectado.

A reportagem do programa Newsnight entrou em contato com as produtoras dos filmes, que afirmaram que iriam retirar os títulos das prateleiras, mas não comentaram sobre o caso das infecções.

Além disso, depois da investigação, a principal produtora britânica de filmes pornográficos "bareback", a Icreme, afirmou à BBC que somente irá produzir filmes nos quais os modelos aparecem usando camisinha.

O episódio ilustra a preocupação recente da comunidade homossexual no Reino Unidos com a infecção de atores de filmes pornográficos pelo vírus HIV.

A expressão "bareback", que significa cavalgar sem sela, surgiu na década de 90 quando um grupo de americanos começou um movimento contra o uso de camisinha. No Reino Unido, houve uma explosão dos filmes do gênero nos últimos quatro anos e os títulos "bareback" já representam 60% do mercado homossexual.

Riscos

De acordo com especialistas em saúde, o sucesso dos filmes pornográficos deste tipo é um sinal de complacência da sociedade em relação aos riscos do HIV e outras doenças sexualmente transmissíveis, que se reflete no aumento de novas infecções no Reino Unido.

Ceri Evans, conselheira de saúde sexual do hospital Charing Cross, em Londres, disse ao programa "Newsnight" que há uma possibilidade de estar acontecendo uma fadiga da camisinha.

"Nós estamos falando de camisinha há tanto tempo que as pessoas já estão entediadas ou pensam que já sabem tudo sobre proteção. A educação (sexual) nas escolas não é o que poderia ser para ninguém, nem para os heterossexuais e especialmente se você é gay", disse Evans.

O sucesso dos filmes pornográficos homossexuais nos quais os atores não usam camisinha é uma preocupação para muitos gays que passaram pelas décadas 80 e 90 --período de explosão do HIV.

Nos Estados Unidos, um dos principais diretores de filmes pornográficos, Chi Chi Larue, iniciou uma campanha contra os filmes "bareback".

"Depois de tudo o que a comunidade gay passou, por que estamos colocando as pessoas em riscos pelos filmes pornôs?", diz o diretor em um comercial cujo objetivo é persuadir as pessoas a boicotarem os títulos desta categoria.

No Reino Unido, a campanha contra os filmes bareback é liderada pelo diretor Steven Brewer.

Ele está promovendo a assinatura de um novo código de conduta entre produtores e atores de filmes pornográficos feito para reduzir os riscos na indústria pornográfica homossexual.

"Eu não quero outro modelo de 18 anos chorando nos meus ombros sem saber como vai contar aos pais ou ao parceiro que ele é HIV positivo", disse Brewer ao programa "Newsnight".

O programa sobre o escândalo envolvendo casos de Aids na indústria pornográfica gay no Reino Unido FOI transmitido pela BBC 2 na quarta-feira, 9 de março.



MADELEINE HOLT, da BBC

terça-feira, 18 de março de 2008

O COQUETEL DO DIA SEGUINTE

Jovens que fazem sexo sem proteção agora recorrem ao uso profilático de remédios contra a Aids

O economista Adriano Abramavicus, de 30 anos, só se deu conta da bobagem ao voltar para casa, com o dia amanhecendo. Movido a vodca com energético, ele acabara de fazer sexo sem proteção com uma total desconhecida, de quem nem lembra o nome. Os dois se atracaram numa festa rave, em São Paulo. "Fiquei preocupado por ter transado sem camisinha, mas não entrei em desespero: lembrei dos remédios e, no ato, senti um conforto na alma."

Abramavicus já havia passado por situação semelhante e, como forma de prevenir a possível contaminação pelo vírus HIV, foi orientado por seu médico a tomar o coquetel anti-Aids. Depois da nova imprevidência, lá estava ele outra vez, tomando seis comprimidos diários e enfrentando os terríveis efeitos colaterais da medicação - depressão e dores no estômago, principalmente.

Jovens como Abramavicus começam a aparecer com freqüência nos consultórios de infectologistas. Em sua maioria, são homens entre 20 e 30 anos. Eles vão para a balada, bebem demais e, quando caem em si, é tarde demais: fizeram sexo sem proteção. Aí correm em busca do coquetel anti-HIV, para evitar uma eventual infecção.

A facilidade com que essas pessoas se expõem à Aids é reflexo direto dos avanços no tratamento da doença. Em seus primórdios, no início dos anos 80, a contaminação pelo HIV representava uma sentença de morte.

Entre o diagnóstico e a fase terminal, transcorriam apenas seis meses. Atualmente, com a detecção precoce do vírus e o uso correto de medicamentos potentes, a Aids pode ser enfrentada como uma doença crônica.

"Os jovens de hoje não testemunharam os estragos causados pelo HIV vinte anos atrás e, por esse motivo, não se assustam tanto com a doença", diz o infectologista Artur Timerman, do Hospital Albert Einstein, em São Paulo. O uso profilático do coquetel anti-Aids remonta a meados dos anos 90.

Inicialmente era destinado apenas a profissionais de saúde que entravam acidentalmente em contato com o vírus. Agora, tornou-se uma panacéia para marmanjos arrependidos de suas noitadas. A medida visa a impedir quanto antes a proliferação do HIV no organismo. Por esse motivo, o coquetel deve ser administrado até 72 horas depois da contaminação.

Ainda não se sabe o grau de eficácia do uso profilático do coquetel por quem se expôs sexualmente ao HIV. Não há nenhum estudo conclusivo sobre o assunto. O que existe são pesquisas um tanto limitadas com mulheres vítimas de estupro. Em todas elas, as participantes que receberam a medicação não desenvolveram a doença.

O problema é que é muito difícil saber se o agressor era portador ou não o vírus da Aids. Os trabalhos mais rigorosos são os que envolvem os profissionais de saúde. Nesses casos, as taxas de sucesso chegam a 80%. Alguns médicos não se sentem confortáveis para prescrever o coquetel profilático.

"A garotada já não usa a camisinha como deveria, e tenho muito receio de que a popularização dessa terapia se transforme numa opção ao sexo seguro", diz o infectologista David Uip, do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. Há de se levar em conta, também, que recorrer aos remédios anti-Aids não é tão simples quanto tomar um comprimido para dor de cabeça. A profilaxia prevê de dois a seis comprimidos diários, ao longo de um mês, com efeitos colaterais geralmente devastadores.

"Este não é, em definitivo, o momento de deixar o preservativo de lado", escreveu o médico americano Dan Bowers, num artigo sobre as conseqüências da profilaxia com remédios anti-HIV. É melhor, portanto, não esquecer a camisinha na carteira.

Adriana Dias Lopes
Fonte: Veja

sexta-feira, 14 de março de 2008

A ROLETA-RUSSA DA AIDS

Para não pegar aids, o que funciona é camisinha. Essa é uma lição básica ensinada nas escolas, nos anúncios de TV, em quase todo lugar. Quem não gosta de usar preservativo gostaria de descobrir uma forma mágica de proteção. A mais recente aposta é tomar anti-retrovirais antes do sexo na tentativa de impedir a infecção. Esse comportamento vem sendo observado nos Estados Unidos, principalmente em comunidades e boates gays de São Francisco, na Califórnia. Pessoas saudáveis tomam um comprimido todas as manhãs. Outras acreditam que uma única pílula antes da balada já garante imunidade na hora do sexo.

Essas práticas arriscadas ganharam impulso no mês passado, quando foram divulgados os resultados de um surpreendente estudo da Universidade do Texas. Cinco fêmeas de camundongo tiveram o sistema imune modificado para que ele funcionasse de forma semelhante ao humano. Em seguida, receberam medicamentos que tratam a infecção pelo HIV. Mesmo depois de expostas ao vírus, elas não o contraíram. "É uma notícia fantástica", disse o médico Warner Greene, diretor do Instituto de Virologia e Imunologia Gladstone da Universidade da Califórnia.

Há indícios de possível queda no risco de contrair o HIV com o uso de anti-retrovirais. As primeiras evidências surgiram em 2004 num estudo com macacos. Mas não há prova científica em experiências com seres humanos. Usar os remédios como uma espécie de "vacina" é um risco elevado, por mais de um motivo. "É um absurdo extrapolar resultados de pesquisas iniciais feitas em animais para seres humanos", diz o infectologista José Valdez Madruga, do Programa Estadual DST-Aids da Secretaria de Saúde de São Paulo.

Não há sinais de que a onda de automedicação tenha chegado ao Brasil, mas pode ser questão de tempo. Por isso, os especialistas estão preocupados. "Sem camisinha, não há prevenção contra o HIV e as doenças sexualmente transmissíveis", afirma o infectologista Esper Georges Kallás, professor da Universidade Federal de São Paulo. "Além disso, os remédios apresentam fortes efeitos colaterais." Náuseas, anemias, aumento do colesterol e má distribuição de gordura no corpo são reações comuns nos portadores do HIV que tomam os remédios. Com o tempo, surgem também problemas de coração, fígado, rins e pâncreas. Complicações dessas doenças podem levar à morte. "Quem toma o medicamento sem precisar sofrerá as mesmas conseqüências", afirma o infectologista Madruga.

Hoje, os remédios já são usados em tratamentos emergenciais em casos de alto risco de exposição ao HIV: mulheres violentadas, grávidas soropositivas e profissionais de saúde que se machucaram com instrumentos infectados. Nessas três situações, as pessoas recebem anti-retrovirais durante um mês. O objetivo é impedir que o vírus penetre nas células. Nos três primeiros dias de infecção, os anti-retrovirais são altamente eficazes contra o vírus. Entre os filhos de mães soropositivas que se submetem ao tratamento, menos de 1% nasce com o HIV. Há sucesso também no tratamento de profissionais de saúde infectados acidentalmente e de mulheres estupradas.

Com base nesses resultados, alguns especialistas acreditam que no futuro esses remédios possam ser usados como ferramenta de prevenção. Esse tema foi discutido na Conferência da Sociedade Internacional de Aids, que ocorreu em julho do ano passado na Austrália. Os que defendem a idéia dizem que há razão para otimismo. Já foram realizados testes em animais, os remédios são regulamentados, estão disponíveis e podem ser receitados por qualquer médico.

Há também estudos com mulheres expostas a um alto risco de infecção em países africanos como Gana, Camarões e Nigéria. Elas recebem anti-retrovirais para evitar a infecção, mas os estudos estão longe do final. Outra corrente sustenta que não há investimento suficiente nem para o tratamento dos pacientes infectados em países como os africanos. Como garantir, então, verba extra para a estratégia de prevenção? Há outros dois grandes obstáculos: os efeitos colaterais e o incentivo ao comportamento de risco.

Mesmo que o "pré-tratamento" um dia se torne realidade, nunca poderá ser dissociado das medidas de prevenção já existentes, como a camisinha e a educação sexual, diz o infectologista Kallás. "Ainda precisamos de muitos estudos que comprovem a eficácia e a segurança do procedimento. E nada poderia ser feito sem acompanhamento médico."

O pior aspecto da automedicação é a resistência do organismo aos anti-retrovirais. A pessoa que toma remédios sem necessidade pode não se beneficiar deles caso seja infectada. A prática, portanto, pode representar uma enorme ameaça ao controle da epidemia global de aids, que atinge 33 milhões de pessoas - 600 mil no Brasil. "Tomar um anti-retroviral para se proteger da infecção pelo HIV é o mesmo que tomar antibiótico hoje acreditando que não pegará uma pneumonia amanhã", diz o infectologista Caio Rosenthal, do Instituto Emílio Ribas, em São Paulo. "Teremos milhões de pessoas infectadas que não poderão ser tratadas com os remédios disponíveis."

Recentemente surgiram nas casas noturnas do Texas, nos EUA, coquetéis vendidos com um mix de drogas: remédio para disfunção erétil, antidepressivo, anti-retroviral e ecstasy. Uma bomba para a saúde, dizem os médicos. Eles não sabem quantas pessoas estão usando as drogas sem necessidade. Uma pista é dada por uma pesquisa americana realizada pelo Centro de Controle de Doenças e Prevenção (CDC) em eventos como a Parada Gay realizados em 2006. Ela mostrou que 7% dos homens que freqüentavam festas como essas utilizavam remédios contra a aids de forma "preventiva". Desse total, 20% afirmavam conhecer outro gay que também tomava o remédio com o mesmo propósito. Segundo outro levantamento recente, publicado no Journal of Aids, menos de 1% de gays e bissexuais faz uso de anti-retrovirais sem necessidade, dentro de um universo de 1.819 entrevistados.

A esperança de proteção é o que transforma teorias médicas em práticas de risco, diz o psicólogo Roberto Pereira, coordenador do Centro de Educação Sexual, uma ONG carioca. "Quando surge algo que parece milagroso, os hábitos de prevenção acabam ainda mais renegados", afirma. "É uma fantasia, baseada em informações que chegam desencontradas e sem referências." É a mesma lógica do jovem na faixa dos 20 anos que usa Viagra acreditando que alcançará um desempenho sexual melhor. Uma ilusão cheia de riscos.

Fonte: Revista Época
Jornalista: Suzane Frutuoso

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