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sábado, 30 de agosto de 2008

AIDS: MEDO E PRECONCEITO


A partir da década de 90 pesquisas relacionadas ao crescimento de casos de Aids no País começavam a apontar para o alto índice de pacientes nas camadas mais pobres da população. De acordo com o Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde, de 1980 a junho de 2007, foram notificados 474.273 casos de Aids no País, sendo 289.074 no Sudeste. No ano passado todos os municípios do estado apresentavam pacientes com o vírus. A doença passou a crescer mais em regiões onde a presença do estado é somente percebida pelas forças policiais. Além da dificuldade de se fazer um tratamento correto, o paciente ainda sofre com o preconceito dentro da própria comunidade.
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Relatos de traficantes que expulsam moradores portadores do vírus HIV têm aumentado, apesar da dificuldade de se registrar os casos, por conta do medo de se falar abertamente sobre a doença. Na favela São José, em Madureira, os moradores que são suspeitos de terem o vírus são acompanhadas de pessoas que trabalham para o tráfico para fazer o exame. “Se der positivo nem precisa voltar para a favela”, quem diz isso é X, 45 anos, que foi expulsa há quatro anos de uma favela da Zona Norte. A sua sobrinha, mulher de um dos bandidos, contou que a tia tinha a doença.
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“A minha filha mais nova teve hepatite e diziam que era Aids. Toda dia, ela ouvia provocações do tipo: ‘sai de perto que ela tem Aids, pegou da mãe’. Chegou um ponto que ela não agüentou mais e bateu de frente com um deles”, diz.
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Pouco tempo depois, os traficantes expulsaram as duas da favela: “Eu lembro que um deles dizia em voz baixa para pegar meus documentos. Nós saímos com a roupa do corpo e não deu tempo de pegar mais nada”, relembrando com lágrimas nos olhos. “A casa da minha filha era linda, ela tinha tudo: geladeira, televisão. Eu via que não estavam brincando e sei como eles agem quando não se obedece”, conta X, que portadora do vírus há seis anos.
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Hoje ela vive na Baixada mas não contou para os seus vizinhos que era soropositiva. “Eu recebo muito carinho das pessoas, elas me dão abraços, não sei se teriam a mesma atitude se soubessem que eu tenho AIDS. Muitas pessoas ainda pensam que a doença se pega pelo ar”, lamenta.
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“Esquecer a doença é preocupante”
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Segundo dados do Governo Federal, de dezembro de 2007, o estado do Rio de Janeiro ocupa a terceira posição no Brasil em relação a taxa de incidência de AIDS em jovens de 13 a 24 anos. “Isso mostra que as pessoas esqueceram da doença, mas a nossa luta não acaba nunca. É preciso criar novos espaços de convivência para que a Aids não caia na invisibilidade. Este é hoje, o meu maior receio”, desabafa George Gouvea, psicanalista responsável pelo atendimento dos pacientes que recorrem ao grupo Pela Vidda, instituição que atua pela valorização e dignidade dos pacientes de Aids.
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George destaca que o crescimento do número de casos de Aids nas camadas mais pobres não é um fenômeno novo. “Essas pessoas sempre estiveram mais vulneráveis. Mesmo os medicamentos sendo distribuídos gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS) através das UDM’s (Unidades Dispensadoras de Medicação de anti-retrovirais), não basta para a pessoa levar uma vida com qualidade. É preciso uma alimentação balanceada, praticar atividade física para ajudar no tratamento, já os efeitos colaterais causados pela doença, podem ser o afinamento dos braços e pernas e o aumento exagerado do abdômen, por causa da redistribuição de gordura corporal. Esse tipo de informação muitas vezes não chega aos pacientes”.
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Para ele, quem tem recursos pode levar uma vida quase normal. “Para ver a cara da Aids basta ir a um ambulatório. As pessoas vêem o SUS como um favor, mas ele é um direito. Pagamos impostos por isso”.
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Kátia Edmundo, psicóloga e coordenadora executiva do Centro de Promoção da Saúde (Cedaps), diz que realizar trabalhos focados nesses grupos é dos desafios para controlar o crescimento da doença. “Trabalhar com a prevenção é essencial. Uma das soluções seria o aumento do uso do preservativo feminino, assim a mulher teria mais autonomia e poderia negociar com o parceiro”.

Renata Sequeira