Páginas

sexta-feira, 13 de março de 2009

PARA ERRADICAR A AIDS, por Dráuzio Varella

Convencer a população a fazer o teste anti-HIV é prioridade máxima em saúde pública
_
PELA PRIMEIRA VEZ, surge um modelo para acabar com a epidemia de Aids. Pode parecer uma ideia delirante, mas foi proposta pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Tomo a liberdade de fazer uma introdução. Não se desespere, leitor, será breve.
_
Introduzida na clínica em 1995, a associação de medicamentos antirretrovirais (conhecida como "coquetel") mudou a história natural da infecção pelo HIV. Antes da existência deles, quando as infecções oportunistas características da fase de Aids se instalavam, poucos sobreviviam dois ou três anos.
_
Um dos aspectos mais impressionantes da ação dessas drogas é a capacidade de reduzir o número de partículas virais no sangue. Em alguns casos, o HIV se torna indetectável mesmo por métodos de altíssima sensibilidade, capazes de acusar a presença de uma única cópia do vírus.
_
Infelizmente, a indetectabilidade na corrente sanguínea não representa a cura da infecção, porque o HIV persiste no organismo, em santuários fora do alcance do sistema imunológico.
-
Um dia, graças à habilidade de sofrer mutações, o vírus se tornará resistente às drogas administradas e voltará a circular com liberdade. Será preciso mudar o esquema para controlar a multiplicação.
_
O tratamento que reduz a carga viral no sangue também provoca queda do número de vírus no esperma e nas secreções vaginais, diminuindo a probabilidade de transmissão sexual.
_
Agora, vamos ao tema.
_
A OMS acaba de publicar, na revista "The Lancet", um modelo que explora "a possibilidade de eliminar a epidemia de Aids por meio da testagem voluntária e do tratamento imediato de todos os infectados".
_
De acordo com ele, cada indivíduo infectado que desconhece sua condição transmite o vírus para sete outros, em média, antes de ir a óbito.
_
O modelo compara o impacto do tratamento na carga viral nas várias fases da doença, para concluir que a redução do número de vírus nas secreções sexuais logo depois do contágio diminuiria a probabilidade de transmissão em 99%.
_
O estudo da OMS usou como exemplo a África do Sul, país em que 17% dos adultos estão infectados pelo HIV. Lá, os medicamentos são fornecidos gratuitamente, a partir do momento em que o exame de sangue acusa um número de células CD4 (alvos da agressão do HIV) abaixo de 350.
_
Nessa fase, a previsão é de que a pessoa já teria infectado outras três.
_
Mas, se o tratamento tivesse começado logo após o contato com o vírus, ela infectaria menos de uma pessoa, em média.
_
Segundo os autores, o tratamento precoce faria a epidemia sul-africana desaparecer em 14 anos. Os gastos com os testes e o tratamento universal dos infectados seriam menores do que continuar combatendo a doença com as armas atuais. Pelos cálculos, em 2015, a África do Sul gastará com testes e tratamento três vezes mais que hoje.
_
Há estimativas de que, em 2015, serão necessários US$ 41 bilhões para testar e tratar os 14 milhões de infectados que chegarão à fase de Aids nos países pobres. Atualmente, as doações disponíveis por meio dos fundos internacionais mal chegam a US$ 10 bilhões.Os críticos afirmam que nesses países faltariam fundos para testar tanta gente, treinar técnicos e fornecer os medicamentos, que o vírus poderia se tornar cada vez mais resistente aos antirretrovirais e que ainda existem 7 milhões de portadores do HIV à espera de tratamento.
_
Kevin De Cock, diretor do programa de HIV/Aids da OMS, contrapõe: "No mundo, cerca de 3 milhões de pessoas recebem antirretrovirais gratuitamente. Quem imaginou que isso fosse possível?".
_
A OMS propõe que sejam feitas pesquisas em escala limitada para avaliar o modelo de testagem e tratamento imediato, antes de aplicá-lo em populações maiores.
_
O problema dos portadores que disseminam o vírus por desconhecer sua condição é da maior gravidade. Na África situada abaixo do deserto do Saara, eles representam 80% dos infectados; nos Estados Unidos, pelo menos 25%; no Brasil, apesar do teste ser oferecido pelo SUS, o Ministério da Saúde calcula que metade dos HIV-positivos esteja nessa situação.
_
Convencer a população a fazer o teste anti-HIV é prioridade máxima em saúde pública.
_
O estudo publicado pela OMS deve ser olhado com o maior interesse, porque ressalta a importância fundamental de testar grandes massas populacionais, além de ousar propor um modelo para erradicação da epidemia, pela primeira vez na história.
_
Fonte: Folha de São Paulo, 28/2/09.
_
_