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sexta-feira, 11 de abril de 2008

GOVERNO TORNA DROGA ANTI-AIDS MEDICAMENTO DE INTERESSE PÚBLICO

Tenofovir é um dos mais caros do coquetel; há 1 ano, decreto inédito permitiu compra de genérico do Efavirenz


O Ministério da Saúde declarou de interesse público o anti-retroviral Tenofovir, um dos mais caros e importantes medicamentos usados pelo Programa Nacional de DST-AIDS. Com a medida, o governo quer apressar a análise de processo de patente do remédio, que há anos se arrasta no Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI).

A expectativa é que o registro de patente seja negado por causa da decisão dos Estados Unidos - o que, na prática, abre espaço para o governo atuar em duas frentes: comprar genéricos de outros fabricantes e iniciar a produção nacional do medicamento. Produzido pela empresa Gilead, o Tenofovir hoje é usado por 30 mil pacientes no Brasil. O tratamento de cada um custa US$ 1.387 por ano. O remédio, sozinho, é responsável por 10% dos gastos com remédios do programa de AIDS.

No ano passado, também no mês de abril, o Brasil declarou de interesse público o Efavirenz, anti-retroviral fabricado pela Merck. Naquele caso, no entanto, a medida representava o passo inicial para a quebra de patente. Agora, o direito de propriedade não foi reconhecido formalmente e o processo é um pouco diferente. "Mas, na prática, a intenção é a mesma", disse o diretor da Farmanguinhos, Eduardo Costa.

Embora a patente não tenha sido concedida, o Brasil age como tal. "É praxe. Quando é feito o depósito de patente, o País passa a respeitar essa expectativa de direito. É assim até o processo ser analisado", afirmou o secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, Reinaldo Guimarães.

INOVAÇÃO EM DÚVIDA

Ao longo destes anos, no entanto, alguns problemas foram se acumulando. No meio científico, houve contestações sobre as inovações da molécula usada na fabricação do Tenofovir.

A Farmanguinhos, da Fundação Oswaldo Cruz, argumentou que o medicamento não reunia os requisitos necessários para concessão da patente. "A molécula já era conhecida, não houve inventividade. Portanto, não há condições necessárias para que a patente seja concedida", garantiu Eduardo Costa. Além disso, ao longo destes anos a Gilead concedeu a licença voluntária para produção do remédio na África e na Índia. "Mas a empresa impôs uma cláusula, que impede esses fabricantes de vender o Tenofovir ao Brasil", disse Guimarães.

PRECEDENTE NOS EUA

Há cerca de um mês, uma decisão nos Estados Unidos derrubando a patente do medicamento - por ele não apresentar inovações - acabou reforçando os argumentos para apressar, no Brasil, a análise da patente. "O INPI afirmou que somente poderia analisar o processo em caráter de urgência se o interesse público fosse decretado. Passada esta etapa, estou convicto de que em breve teremos uma decisão sobre o assunto", disse Guimarães. O secretário descartou a possibilidade de o INPI reconhecer os direitos da Gilead sobre o Tenofovir. "Se o escritório tão rigoroso como o dos Estados Unidos reconheceu a falta de inventividade do produto, não vai ficar bem o INPI decidir o contrário."

Guimarães disse que, com a recusa da patente para o Tenofovir, o Brasil ficará desobrigado de cumprir até o fim o contrato firmado com a empresa, que prevê entrega do remédio até maio de 2009. De acordo com ele, versões genéricas custam bem menos do que o produzido pela Gilead. O tratamento indiano custa US$ 170 por paciente ao ano.

O laboratório Gillead, que no Brasil tem como representante a United Medical, informou que só deverá se manifestar hoje (10/4) sobre a decisão. No entanto, destacou em comunicado da matriz norte-americana que a decisão sobre as patentes nos EUA não foi definitiva e que a empresa está recorrendo. O laboratório destacou ainda já ter encaminhado provas de que o Tenofovir representou uma inovação. A Interfarma, entidade que representa a indústria farmacêutica de pesquisa no País, declarou que a medida do governo "é um movimento legal" para acelerar análise de patente pelo INPI. A entidade, apesar de não ter a Gillead entre as associadas no Brasil, já tinha conseguido acesso ao decreto ministerial ontem por ser de interesse de todo o setor. "Não tem nada a ver com licença compulsória", enfatizou Gabriel Tannus, presidente da Interfarma. Ele prevê que, como a patente não foi reconhecida nos EUA, também não deverá ser aqui. "Fatalmente o medicamento deixará de ter patente."

ONGs que lutam pelos direitos das pessoas que vivem com o HIV e o laboratório público Farmanguinhos, ligado à Fundação Oswaldo Cruz, lutam desde 2006 para que o País não conceda patente ao Tenofovir. Até ontem (9/4), no entanto, elas não tinham sido informadas sobre a decisão. "Se for isto, é algo muito animador", disse Gabriela Chaves, do Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual da Rede Brasileira pela Integração dos Povos. Chaves diz que a legislação dá prioridade na avaliação, pelo INPI, de pedidos de patentes de produtos que, por ato do Executivo, sejam declarados de interesse público. Anteontem o INPI deu 90 dias à Gillead para apresentar explicação sobre o pedido de patente.
Reportagem: Lígia Formenti e Fabiane Leite , O Estado de São Paulo